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Postado em 25 de setembro de 2014 Por Em Notícias E 1993 Views

Minha dor e o trabalho: técnica tem depressão após ataque na ala da psiquiatria

Técnica de enfermagem relata os traumas de sua vida após o ataque de um paciente psicopata, quando trabalhava em uma ala de psiquiatria sem segurança nem treinamento

MINHA-DOR-E-O-TRABALHOA segunda história da série “Minha dor e o trabalho” é da técnica de enfermagem Laura*. Ela tem 41 anos e trabalhou há 16 na saúde. Passou pela ala de psiquiatria do hospital desde 2007 , quando foi atacada por um paciente com psicopatia e teve sua estabilidade física e emocional abalada. Ela não consegue descrever a violência que sofreu, e chorou durante toda a conversa.

Confira abaixo o relato de uma vida transtornada pela falta de treinamento e pelo descaso com a segurança no ambiente de trabalho:

Desde as agressões do paciente,  sofro de depressão e ansiedade e desenvolvi a Síndrome do Pânico. Faço tratamento para isso. Também tive lesões na cervical e na lombar – já tinha duas hérnias de disco porque levantava muito peso. Mas por conta do trauma, só consigo fazer a fisioterapia de costas para o médico. O choque das pancadas no lado esquerdo fez com que eu tivesse que operar o rim.

Tudo começou há cinco anos quando, do dia para noite, a chefe de pediatria veio para mim e disse: ‘A partir de amanhã, você vai trabalhar na área da psiquiatria, no período da tarde‘. Ela não pediu, não conversou nem negociou prazo – simplesmente mandou. Tinha hábito de nos humilhar, de gritar conosco na frente dos outros.

Para piorar, eu não tinha nenhum treinamento para trabalhar com esse tipo de doente. Aprendi a conter paciente [amarrá-lo na cama quando há surto ou violência] quando precisei, na hora de fazer mesmo. As outras colegas (duas funcionárias em cada um dos três períodos) também não tinham sido capacitadas para lidar com esse tipo de paciente.

O trabalho na psiquiatria

Havia 20 pacientes na ala e a gente fazia de tudo! Dava banho, cortava barba, cortava cabelo, penteava cabelo, fazia atividade física com eles, dava medicação, que é tudo controlada, monitorava os sinais vitais. Também dava comida na boca – e nessa ala se usa apenas talheres de plástico, porque tudo pode virar arma. Uma moça fez de um tirador de sobrancelha um canivete para deixarem ela sair do hospital.

Enquanto uma cuidava do postinho, onde ficavam objetos dos pacientes, medicamentos e outros materiais de trabalho, a outra tinha que revistar os parentes que iam fazer visitas. Quando internava, a responsabilidade de revistar os pacientes era das técnicas de enfermagem, não da segurança ou de outro profissional treinado para isso. E sem nenhuma proteção: quando ocorriam casos de violência, a polícia demorava a chegar. Além disso, os pacientes não têm hora para surtar…

Mesmo com esse alto nível de medo e stress, a empresa não oferecia nenhum atendimento psicológico aos funcionários.

O acúmulo de tarefas era comum em todas as áreas do hospital. Antes de ir para lá, trabalhei em todas as outras áreas do hospital, entre elas a pediatria, onde eu e mais uma colega tínhamos de dar conta de 40 crianças nos leitos.

A agressão

Era domingo de manhã, e saí de casa para trabalhar feliz, porque eu gostava da minha profissão.

Uma paciente veio me avisar que ele estava comendo cigarros. Uma colega mandou os pacientes para a área externa da ala, onde os pacientes podiam fumar (os médicos autorizavam porque, segundo eles, reduzia a ansiedade). Foi a sorte…

Anacleto* é psicopata e foi internado após surtar dentro de um ônibus e agredir o motorista, durante uma viagem interestadual para visitar os pais. Já no hospital, ele arrancou o aparelho dos dentes de um dos guardas e agrediu outros pacientes.

Naquele dia, ele me abordou por trás, pegou no meu pescoço… [ela não consegue completar a história e está em tratamento para esquecê-la definitivamente]. Na hora em que desmaiei no chão, duas ou três moças que estavam internadas com depressão tentaram me levantar.

Eu fui atendida no posto de saúde do próprio hospital. Mesmo assim, depois do incidente, o hospital não mandou carta da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) nem reconheceu o acidente de trabalho. A assistência médica teve que ser garantida por via judicial para que eu tivesse condições de fazer os exames e comprar os medicamentos que não são fornecidos pelo SUS.

A vida após trauma 

Senti que fui abandonada pela empresa, pelos colegas, e o abandono é a pior coisa que existe. Hoje, a chefia passa na minha frente na rua e finge que não me conhece.

Passava os dias chorando e, depois de muitas brigas, acabei me separando de meu marido. Faz um ano que eu também perdi meu filho, porque eu sou uma mãe que só chora…  Foram tempos de eu me trancar semanas num quarto. Eu só queria morrer.

Hoje, faço terapia mensal, vou à psicóloga a cada 15 dias e tenho acompanhamento da psiquiatra.Eu tomo 25 mg de Pondera de manhã, 200 mg de Sertralina à tarde, 2 Pamelor  de 50 mg e 1 Lorazepam de 2 mg à noite, quando minha ansiedade aumenta. O remédio muitas vezes não funciona e eu demoro para dormir. Qualquer vento me assusta e eu acordo.

Só entro em um hospital hoje se estiver morrendo. Eu era uma pessoa tão diferente: dava risada, tinha vontade de estudar psicologia, de fazer faculdade. Mas, para mim, esse sonho morreu. Perdi o amor próprio, perdi a vontade de viver. Tive vontade de me matar.

Eu salvei tantas vidas ao longo desses anos,  e agora estou lutando muito para salvar a minha.

 *nomes fictícios.

| Por Camila Rodrigues da Silva, da assessoria de comunicação da Fetessesc

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