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Postado em 9 de maio de 2018 Por Em Destaque E 556 Views

Criação do SUS representou luta sanitarista pela equidade #2

A CNTS elaborou uma série de reportagens especiais sobre os diversos aspectos da nossa Carta Magna

 A história do controle social da saúde pública no Brasil é sinônimo de luta e empenho de representantes da sociedade que dedicaram tempo, esforço e recursos materiais no processo que garantiu a participação da sociedade civil na história do Sistema Único de Saúde – SUS. Concebido pela Constituição Federal de 1988, o SUS foi o resultado de um processo de articulação do Movimento pela Reforma Sanitária e de diversas pessoas comprometidas com o reconhecimento dos direitos sociais de cada cidadão brasileiro, ao determinar um caráter universal às ações e aos serviços de saúde no país.O processo de consolidação do SUS implicou em mudanças na legislação brasileira, buscando uma melhor implementação do Sistema. A criação do SUS tem sido considerada como a maior política de inclusão social no país inserida sob o novo regime democrático.

A instituição do SUS, a partir da Constituição Federal de 1988, representou um marco histórico das políticas de saúde em nosso país, pois, na nova Constituição, a atenção à saúde passou a ser assegurada legalmente como direito fundamental de cidadania, cabendo ao Estado a obrigação de provê-la a todos os cidadãos brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil. E desde a sua instituição, quatro pontos sobre a gestão têm sido apontados como fundamentais: a descentralização, o financiamento, o controle social e a gestão do trabalho.

O direito à saúde, afirmado na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, está claro na Constituição Federal de 1988 que define a saúde como direito de todos e dever do Estado, indicando os princípios e diretrizes legais do Sistema Único de Saúde.

O sangue como mercadoria – A questão dos hemoderivados, um dos aspectos pertinentes ao SUS, contudo, foi uma luta de toda sociedade civil em uma grande campanha que chamou atenção de todos para os debates na constituinte. Isso porque, sem SUS, o sangue era uma mercadoria como qualquer outra. Podia ser vendido e comprado. E como não havia uma política abrangente de saúde, sua qualidade não era devidamente controlada pelo Estado, tampouco pelo mercado.

Com isso, muitas pessoas que recebiam transfusões eram contaminadas com doenças transmitidas pelo sangue, como hepatites. Na década de 1980, com a epidemia de HIV/Aids, o quadro ficou mais grave. O caso mais célebre é o do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Hemofílico, ele precisava se submeter a transfusões periódicas. E uma delas, foi fatal. Na época, ainda não existiam medicamentos tão eficientes como hoje.

Mas Betinho liderou a campanha da sociedade civil. E conseguiu despertar a atenção da opinião pública mostrando que tinha alguma coisa de muito errada com aquele sistema de saúde.

Na Constituinte, o único ponto da área da saúde que precisou ir a votação foi justamente o do sangue. Havia emendas suprimindo a proibição da comercialização de hemoderivados. Depois de duas votações, ficou garantido na Constituição que “sangue não é mercadoria”, como dizia o slogan da campanha da sociedade civil. “Esta é uma questão nacional da qual o sangue é apenas uma ponta do iceberg, mas é uma ponta importante, é uma ponta fundamental”, disse Betinho, no dia 24 de agosto de 1988 no auditório Nereu Ramos, da Câmara dos Deputados. E completou: “A tragédia da Aids é a tragédia da morte que passa por este sistema de saúde que está marcado pela comercialização, pelo lucro e pela impunidade”.

Desigualdade na assistência – A Constituição de 1988 foi responsável por separar as áreas de saúde e de Previdência, rompendo com uma estrutura que vigorava desde a Era Vargas e que, em menor ou maior grau conforme o momento político atravessado pelo país, atribuía ao Ministério da Saúde apenas as responsabilidades pelo combate a endemias, além da gestão de alguns hospitais especializados nas áreas de psiquiatria e tuberculose, mas não a gestão completa da assistência à saúde da população, tornando a assistência médica uma tarefa a ser atendida pelas instituições previdenciárias, segmentadas por categorias profissionais.

Antes da implantação do SUS, a cobertura do sistema público federal de saúde estava restrita principalmente aos trabalhadores do mercado formal e a seus dependentes. A assistência médica e hospitalar pública federal era prestada através do Inamps – Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social, uma autarquia do Ministério da Previdência e Assistência Social.

Além de não ter um carácter universal, o Inamps ajudava a acentuar as desigualdades regionais no Brasil. Como a assistência era destinada apenas aos trabalhadores da economia formal, os estados e municípios mais ricos e desenvolvidos, que possuíam maior presença das relações formais de trabalho, eram os que contavam com o maior número de postos de assistência médica e hospitalar.

Em dados da Secretaria de Planejamento do Inamps de 1986, observa-se que, naquela época, gastava-se 59,28% dos recursos em saúde do país com a região sudeste, enquanto esta representava somente 43,79% da população do país. Por outro lado, eram gastos apenas 18,10% dos recursos com o nordeste, que totalizava 28,82% da população brasileira à época.

Os preceitos constitucionais do financiamento do Sistema Único de Saúde – Para a implantação do SUS a maior dificuldade sempre foi a de um financiamento definido e suficiente para os investimentos na rede de serviços, à cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais ações de saúde.

A Constituição Federal de 1988 preocupou-se com a necessidade de criar fontes de financiamento capazes de garantir o atendimento das ações e serviços de saúde e impôs essa responsabilidade às três esferas de governo, devendo, cada qual, assegurar o aporte regular de recursos. Para a definição de fontes, formas e critérios de financiamento da seguridade social, e nesta compreendida a saúde, o legislador deu atenção especial ao princípio da diversidade da base de financiamento, previsto no art. 194, parágrafo único, VI, da Constituição.

No tocante ao financiamento do SUS, a Constituição definiu que: “O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, além de outras fontes”.

O art. 195 da Constituição estabelece ainda que o financiamento da Seguridade Social é um dever imposto a toda a sociedade, de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de contribuições sociais.

De acordo com o princípio da diferenciação, previsto no §1º do art. 195 da Carta Magna, “as receitas dos estados, do Distrito Federal e dos municípios destinadas à seguridade social constarão dos respectivos orçamentos, não integrando o orçamento da União”.

Em respeito aos princípios da autonomia e da integração, contidos no §2º do art. 195 da Constituição, “a proposta de orçamento da seguridade social será elaborada de forma integrada pelos órgãos responsáveis pela saúde, previdência social e assistência social, tendo em vista as metas e prioridades estabelecidas na lei de diretrizes orçamentárias, assegurada a cada área a gestão de seus recursos.” O tratamento constitucional dos preceitos do financiamento do SUS foi fundamental para a solidez do sistema.

No entanto, o texto original da Carta Magna de 1988 não assegurou um percentual mínimo de aplicação obrigatória para o setor. Essa omissão provocou grave crise de financiamento para a implantação do SUS, a qual foi reconhecida pela XI Conferência Nacional de Saúde, realizada em dezembro de 2000.

Ficou consignado no relatório final dessa Conferência que: A contradição entre o modelo econômico brasileiro e a proposta de construção do SUS refletiu-se, nesses dez anos, na dificuldade de obter formas estáveis e montantes suficientes para o financiamento do sistema público de saúde, em constante atrito com a expansão de um sistema privado dirigido pela lógica excludente de mercado, coerente com o modelo de desenvolvimento hegemônico no Brasil.

Regras de financiamento e transferências – Como já mencionado, a Constituição de 1988 estabeleceu que cada esfera de Governo deveria alocar recursos de seus orçamentos para o financiamento do Sistema Único de Saúde. Porém, não previu parâmetros precisos, ficando os entes federados livres para aplicar os recursos que entendiam adequados.

A Emenda Constitucional 29/2000 procurou corrigir essa omissão e procurou definir regras objetivas e percentuais mínimos da dotação orçamentária a serem destinados ao Sistema Único de Saúde. Por meio da EC foi estabelecido que o orçamento federal para a saúde teria reajustes automáticos segundo a variação do valor nominal do PIB, vinculando recursos federais, do Distrito Federal, dos estados e municípios para a saúde e fixando um percentual mínimo dos recursos próprios destes níveis de governo para aplicação imediata.

(Fontes: Artigo intitulado: Instituto de Assistência Médica da Previdência Social – Inamps, de Sônia Fleury e Antônio Ivo de Carvalho; Artigo intitulado: O processo histórico de construção do Sistema Único de Saúde brasileiro e as novas perspectivas, de Manoel Valente Figueiredo Neto, Priscyla Freitas da Silva, Lúcia Cristina dos Santos Rosa, Carlos Leonardo Figueiredo Cunha e Rafael Vitor Silva Gaioso dos Santos; Agência Câmara; Fiocruz; Rede Humaniza SUS; FGV e Ministério da Saúde)

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