Por André Bono, advogado da Fetessesc.
Ao receber o holerite todos os meses, o trabalhador pode ter dúvidas sobre os descontos salariais. Algumas vezes, os empregadores cometem erros – propositalmente ou não. Por isso, é importante estar informado sobre o que a lei trabalhista permite ou não.
O salário é a principal e, na maioria das vezes, a única fonte de subsistência dos trabalhadores e de sua família. É a mola que impulsiona a economia de um país e o ponto de maior divergência na política de uma nação. Daí a preocupação do legislador em fixar regras expressas de proteção ao salário do trabalhador.
Regra 1 – salário não pode ser reduzido
Segundo o artigo 7°, inciso VI, da Constituição Federal, o empregador não pode reduzir os salários de seus empregados:
VI – irredutibilidade do salário, salvo disposto em convenção ou acordo coletivo”
Todavia, enquanto boa regra, ela comporta exceções. Como consequência desta exceção, tem-se a revogação tanto da redução unilateral, consagrada pelo artigo 503 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como da redução obtida por meio de sentença normativa, caso seja verificada a recusa sindical à negociação, disciplinada pelo artigo 2°, § 2° da Lei 4923/65.
Regra 2 – salários não podem sofrer descontos empresariais
Os salários são intangíveis e não podem sofrer descontos empresariais, conforme preceitua o artigo 462, caput, da CLT: “Ao empregador é vedado efetuar qualquer desconto nos salários do empregado, salvo quando este resultar de 1 - adiantamentos, 2 – de dispositivos de lei, 3 – acordo ou convenção coletiva.”
Regra 3 – descontos quando o empregado causa dano ao empregador
Existe uma quarta hipótese de desconto salarial inscrita no § 1°, do artigo 462, da CLT: “Em caso de dano causado pelo empregado, o desconto será lícito, desde que esta possibilidade tenha sido acordada ou na ocorrência de dolo do empregado.”
Isso significa que só é permitido desconto em dois casos:
Caso 1: se os danos ao patrimônio do empregador ou de terceiros foram causados propositalmente pelo empregado (dolo).
Caso 2: se, em caso de negligência, imprudência ou imperícia do empregado no cumprimento de sua obrigação, o desconto tiver sido previamente acordado entre as partes.
Regra 4 – salários podem sofrer descontos por conta de serviços oferecidos pelo empregador
Há ainda ahipótese de desconto salarial decorrente da disposição de bens e serviços em favor do empregado pelo próprio empregador ou por terceiro a este vinculado. Por exemplo: inserção do trabalhador em programas de seguros coletivos, previdência privada, saúde pessoal e familiar, clubes recreativos, cooperativas de créditos ou de consumo, etc.
Para que o referido desconto não contrarie o disposto no artigo 462 da CLT, é necessária a prévia e expressa autorização do empregado, além da ausência de prejuízo dessa ação ao trabalhador. Este tem sido o entendimento da jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho, conforme Súmula n° 342.
Princípio da dignidade humana
Caso o empregador proceda qualquer desconto salarial contrário às hipóteses mencionadas anteriormente, ele poderá estar atentando contra o principio da dignidade da pessoa humana. Este é um princípio estruturante do ordenamento jurídico nacional, registrado no art. 1º da Constituição Federal de 1988 – que, ao contrário de cartas magnas anteriores, passou a priorizar a dignidade dos indivíduos, e subordinar interesses econômicos e patrimoniais a essa condição humana.
O direito do trabalho, enquanto direito social previsto na nova ordem constitucional, pressupõe a ideia de trabalho digno, dentro de uma visão sistêmica da própria Lei Maior. Isso significa que o princípio da dignidade da pessoa humana regula todas as relações intersubjetivas disciplinadas pelo Direito, notadamente na área trabalhista.
Por isso, não se pode chancelar que o empregador exorbite do jus variandi (o direito que ele tem de organizar sua atividade empresarial conforme seus anseios e metas) que detém acerca do contrato de trabalho, de modo que o contratado fique a mercê de desordens do empresário ao ponto de trazer transtornos pessoais e financeiros à vida dos trabalhadores.